Assistindo ao Mundo de Beakman, programa educativo sobre ciência da década de 1990, e insistindo para que seus pais a levassem ao Zoológico de São Paulo e à Estação Ciência nas férias escolares: foi assim que cresceu a paulistana Renata Nascimento Gomes. Hoje, aos 40 anos, a bióloga acaba de concluir seu pós-doutorado no Centro de Excelência para Descoberta de Novos Alvos Moleculares (CENTD) do Instituto Butantan, onde pesquisou por quatro anos novos tratamentos para a osteoartrite, uma doença inflamatória degenerativa caracterizada pelo desgaste da cartilagem e por alterações ósseas nas articulações. Atualmente, é tecnologista de laboratório contratada pela instituição.
Em seu projeto no CENTD, Renata testou fragmentos de uma proteína do veneno da lagarta Lonomia obliqua em modelos in vitro de osteoartrite para identificar efeitos anti-inflamatórios e de regeneração. Os resultados foram promissores. “A osteoartrite é uma doença que atinge cerca de 60% da população mundial, principalmente os idosos, e acaba causando uma dor incapacitante. É tratada com medicamentos paliativos, que amenizam a dor, mas não curam”, explica Renata.
Para a cientista, o mais interessante de ter atuado no CENTD foi poder transitar por dois universos: o acadêmico e o da indústria farmacêutica. Isso porque o centro é uma iniciativa do Butantan apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e pela farmacêutica britânica GSK. Assim, o objetivo do grupo é ir além da pesquisa básica e conseguir identificar e ajudar a entregar potenciais medicamentos à população.
Antes de chegar ao CENTD para trabalhar com inflamação, Renata atuou por cerca de 10 anos em estudos sobre câncer, passando pelo mestrado e doutorado no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e depois pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP). Como nunca gostou de rotina, ela viu a mudança de área com bons olhos. “Apesar de eu ter começado ‘tarde’ a me dedicar à pesquisa, aos 25 anos, acredito que esse amadurecimento também me ajudou bastante durante a carreira. O CENTD é um baita de um laboratório, com equipamentos diferentes que eu não estava acostumada a trabalhar, então encarei como um novo desafio”, conta.
Motivação que ultrapassa barreiras
Ser cientista no Brasil é um caminho árduo, aponta Renata. Do mestrado ao pós-doutorado, os períodos em que a bióloga ficou sem receber bolsa somam anos. Para ela, mesmo com todos os obstáculos financeiros e, muitas vezes, com a falta de valorização da sociedade, a ciência brasileira se prova a cada dia. Ela lembra de um professor, durante seu doutorado-sanduíche na Espanha, que se impressionou com o nível da pesquisa brasileira e o quanto os cientistas do país conseguem fazer com os poucos recursos que têm.
“Eu entrei tarde na faculdade, porque terminei o colegial e fui trabalhar no McDonald’s, e só alguns anos depois comecei a graduação em Biologia. E no último ano eu decidi largar o serviço e tentar a pós-graduação, porque vi que era esse o caminho para poder atuar em pesquisa.”
Desde o início, Renata quis trabalhar com doenças. No mestrado e doutorado na USP, estudou o glioblastoma, o tipo mais agressivo de tumor cerebral. No ICESP, investigou o câncer de colo de útero e tumores resistentes à radioterapia.
“O que realmente me motiva a estudar doenças é que, se eu conseguisse aliviar a dor de uma pessoa, eu já estaria feliz. Quando lembro da época que trabalhei em hospital, perto dos pacientes, lembro por que escolhi esse caminho.”
Ciência como profissão
Renata reforça que seguiu a carreira acadêmica com muito apoio de seus pais, e que eles nunca perguntaram quando ela ia começar a trabalhar, porque eles de fato veem a pesquisa como o seu trabalho. Por outro lado, ela diz que muitas pessoas enxergam o pesquisador como alguém que só estuda e “não quer fazer nada da vida”. “Pelo contrário, nós ficamos meses sem receber bolsa e vivemos com muitas incertezas. E a própria ideia de bolsa causa a sensação de que estamos sendo pagos para continuar estudando, mas é um trabalho. Nós chegamos a ficar facilmente mais de 10 horas no laboratório. Sem uma ajuda financeira e psicológica, é complicado”, afirma.
A desconfiança na ciência e disseminação de fake news é outro obstáculo vivido por quem deseja seguir esse caminho, que se intensificou ao longo da pandemia, ao mesmo tempo em que a ciência se popularizou e mais pesquisadores apareceram na mídia e puderam conversar com a sociedade. Com a perspectiva de quem está inserida nesse universo, Renata destaca que os cientistas se doam muito e abrem mão de muitas coisas na vida para se dedicar à pesquisa.
“Se eu pudesse falar algo para alguém que não acredita na ciência, eu diria: a ciência não é perfeita. Não é uma coisa da noite para o dia, é algo que demanda tempo e dedicação. Antes de criticar, peço que tentem conhecer. É um trabalho muito árduo e verdadeiro.”
Agora, a trajetória de Renata pelo Butantan seguirá outro rumo: recentemente, em setembro, foi contratada como tecnologista de laboratório no Laboratório Piloto de Vacinas Virais, onde trabalhará com vírus e cultura celular. Mais um desafio a ser abraçado e mais uma oportunidade de fazer o que ama.
Reportagem: Aline Tavares
Fotos: Comunicação Butantan